“Todos os anos, a dia 30 de Abril, passava-se
algo muito estranho nas casas da minha vila alentejana e que eu, até certa
altura, pensei passar-se só em minha casa, porque avisados pelos meus país e
avô, este ritual anual familiar era para ser guardado em grande segredo.
Cerca da meia-noite, éramos
acordados pelo meu avô e a minha mãe, a dar-nos um cálice de licor de poejo e
um bolo muito pequenino chamado "broinha". Antes de bebermos o licor
dizíamos juntos “viva, não deixamos entrar os burros no Maio”. O avô
emocionava-se sempre até às lágrimas e eu continuava a não entender este ritual
quase sagrado. Os mais velhos, diziam que Maio era o mês dos burros e portanto
aquele brinde à meia-noite, era-me estranhamente natural.

«Então por causa dos pides
informadores, nós tivemos de arranjar uma maneira de festejar o 1º de Maio, e
ao mesmo tempo protegermos a família. Inventámos esta "tradição" de
não deixarmos entrar o Maio. Mas o certo minha querida, é que na hora que
bebemos o licor, nós adultos, sentimos os camaradas que morreram ao nosso lado,
os que estão nas prisões da pide, os exilados, e clandestinamente vivendo.
Sentimos a esperança de podermos viver o nosso dia 1º de Maio em liberdade».
De repente, sentimos os passos da
minha mãe e rapidamente escondemos o livro "Quando os Lobos Uivam" de
Aquilino Ribeiro, no baú e sorrimos os dois, cúmplices. A minha mãe disse ao
meu avô: «Meu pai, tenha cuidado com essas conversas, ela é uma criança».
Nessa noite, ao beber o licor de
poejo e ao comer a minha broinha, o meu olhar cruzou-se com o do meu adorado e
querido avô e silenciosamente dissemos, vivam os trabalhadores! Viva o 1º de
Maio!”
Ester Cid
(ao abrigo do código do autor)
Sem comentários:
Enviar um comentário